SÓ OS AUTODIDATAS SÃO LIVRES: A arte de Alexandre Frangioni
Por Christian Viveros-Fauné
Traduzido por Sylvia Werneck
A lista de cientistas, artistas e inovadores que educaram a si mesmos é longa e distinta. Entre seus integrantes estão Leonardo da Vinci, Charles Darwin, Frida Kahlo e Machado de Assis, a maior figura literária do Brasil — um novelista, poeta, dramaturgo e contista que dedicou tempo e energia para aprender por conta própria francês, inglês, alemão e grego, apesar de não ter passado um dia sequer na universidade. William Blake, outro eminente autômato, explicitou a força do autodidata em um poema tipicamente não convencional: autodidatas vivem, escreveu ele, segundo a ideia de que “a natureza não tem contorno, mas a imaginação tem.”
Assim é com o artista brasileiro Alexandre Frangioni, praticamente um autodidata que foi formalmente preparado como engenheiro químico em São Paulo, pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Depois de trabalhar na indústria farmacêutica por mais de três décadas, o futuro criativo mudou da ciência para a arte, tomando a pintura como uma maneira de se desconectar de sua rotina das nove às cinco. “Eu estava buscando uma atividade à qual me dedicar depois de me aposentar,” disse ele numa entrevista em 2017, “e encontrei um jeito fácil de administrar meu tempo e espaço com a pintura. Além disso, ela tinha relação direta com o desenho, uma coisa da qual eu gostava desde pequeno.”
No início, Frangioni adotou a pintura figurativa a óleo como uma maneira de reimaginar a vida. Como era de se esperar, as emoções e estados psicológicos associados à teoria das cores foram os primeiros impulsos que ele explorou. Com o tempo, por orientação de um amigo artista, João Carlos de Souza, que trabalha com instalações, ele se afastou das pinturas figurativas em direção a obras de arte que se conectam discursivamente com ideias culturais mais amplas. Ironicamente, essas ideias se encaixavam em seu treinamento profissional. Parafraseando o artista: se ele começou cultivando impulsos não racionais para chegar a seus primeiros óleos, logo se viu partindo de “intenções” mais complexas para projetar as formas, efeitos e, finalmente, a visão da qual, mais tarde, iria lançar mão para seus trabalhos decididamente conceituais.
Este processo de “inversão,” como Frangioni descreve, começou quando ele começou a documentar suas pinturas através de fotografias. Isto deu início a um envolvimento com a fotografia como um meio. Em pouco tempo, o estudo levou-o a abraçar a colagem. Estas e outras experimentações iniciais quase laboratoriais, por sua vez, levaram o artista a estabelecer um conjunto de procedimentos complexos através dos quais ele depurava diversas preocupações cada vez mais intelectuais. Por volta de 2015, quando Frangioni fez o movimento de finalmente deixar seu emprego formal, ele se viu fazendo trabalhos que pareciam lembrar, quando não em referência direta, obras conceituais clássicas feitas no Brasil durante a época da ditadura militar.
No entanto, sem querer, Frangioni se colocou numa situação familiar a muitos dos autodidatas notáveis da história. Em vez de reinventar a roda, ele se encontrou trabalhando arduamente para realinhá-la ou lhe conferindo uma nova interpretação. Só depois de sua exposição de estreia em 2015 no Museu de Arte de Blumenau, no sul do Brasil, foi que o artista realmente entendeu o âmbito de sua realização. Como um jogador de futebol talentoso que reinventa os movimentos de Garrincha e Pelé, ele constatou que tinha reformulado o legado brasileiro da arte conceitual através de diversos conjuntos de trabalhos bi e tridimensionais. Em um exame mais minucioso, ele também parece ter reescrito, ou ao menos reinterpretado, vários capítulos da história do ready-made — como visto, por exemplo, nas obras de proto-conceitualistas europeus e estadunidenses como Marcel Duchamp, Joan Brossa e Claes Oldenburg.
“A única referência que eu tinha quando fiz meus primeiros trabalhos com moedas era ‘Quem matou Herzog?’, de Cildo Meireles; isto é, as notas de Cruzeiro que ele estampou com este texto,” diz Frangioni quando perguntado sobre sua conexão com o criador das Inserções em Circuitos Ideológicos 2: Projeto Cédula (1970). “Eu ainda não conhecia as cédulas de ‘Zero Cruzeiros’ de Meireles, que só vi pessoalmente em São Paulo em 2018, três anos depois de fazer minha exposição “Moedas” em Blumenau.” Uma mostra que apresentava vários conjuntos de trabalhos que usam moedas como meio — entre elas cédulas brasileiras, britânicas e estadunidenses, e seus primeiros cofrinhos de porquinhos — “Moedas” provou ser a estreia de Frangioni como um conceitualista brasileiro recente. Foi também, paradoxalmente, sua declaração de independência. Como ele relatou a este escritor em relação à potencial influência de Meireles: “Devo dizer que o meu uso particular da moeda como meio foi bastante diferente”.
Como os trabalhos de Meireles, as peças de Frangioni costumam ser descritas como “objetos filosóficos” ou “pensamentos materializados.” Elas demonstram estar fortemente ligadas a abordagens históricas cruciais da arte conceitual — tais como aquelas que servem aos readymades de Duchamp e aos “poemas objeto” de Brossa. Mas, enquanto Meireles desenvolvia suas variadas Inserções em Circuitos Ideológicos para propagar slogans subversivos e explorar a noção de circulação — são empregadas cédulas e outros objetos atrelados a sistemas de circulação como sistemas de depósito de garrafas — as intenções de Frangioni correm para o fundamentalmente filosófico. Não satisfeito com a crítica política ou em meramente questionar o papel do capital, seu uso de vários tipos de moedas explora principalmente como o tempo e a memória afetam o valor passado e presente, e como esses objetos transformam bens materiais ao longo da história.
A relação entre tempo e memória, de fato, tem o papel principal na produção recente de Frangioni, especialmente à medida que se refere à experiência pessoal e coletiva. Em entrevistas, o artista tem falado sobre a habilidade de algumas de suas obras de manterem vivas, na forma de emblemas ou totens, as memórias da hiperinflação econômica no Brasil dos anos 1980 — uma época em que a instabilidade social e política naquele país estava no auge. “Eu vivenciei os anos 1980 no Brasil e nossa moeda perdia 80% de seu valor todo mês,” disse ele a este escritor em uma conversa. “As pessoas recebiam seu pagamento em um dia e quarenta e oito horas depois o mesmo dinheiro estava tão desvalorizado que literalmente não era o suficiente para pôr comida na mesa.”
Se, como com Brossa, o motor que conduz a arte de Frangioni é a metonímia visual, o tema recorrente retórico que substitui o nome ou parte de algo pela coisa significante, então seu uso deste dispositivo rotineiramente supera as expectativas associadas à maioria dos signos e símbolos. Ao concentrar-se em emblemas largamente familiares, mas mal compreendidos — incluindo moedas, cédulas, bandeiras e selos — o artista sublinha tanto a natureza prosaica deles quanto o perigo produzido por suas frequentes oscilações e flutuações. Símbolos como estes estão firmemente inseridos no imaginário coletivo, por vezes em um grau perigoso. Trabalhar com eles, não importando questioná-los, é manipular algumas das suposições menos examinadas e mais inflamáveis acumuladas pela cultura humana através dos tempos.
Trabalhos como os Cofres de aço e acrílico de Frangioni, e os discretos objetos e instalações que ele serializou sob o título Exodus, operam fundamentalmente como esculturas abreviadas. Um destes trabalhos, Cofre # 2137 – Pião (2017), é um poema imagista em três dimensões: contém um único pião de madeira e uma grande quantidade de barbante dentro de um cofre de acrílico transparente. Como seus trabalhos do Exodus, é quase jovial em sua concisão. Exodus I, o primeiro trabalho da agora célebre série do artista, foi conceitualizado, mas não exibido como originalmente planejado no Museu de Arte de Blumenau: a instituição se recusou a comprometer as paredes do museu. Uma instalação de 500 cofrinhos incrustados com moedas, que o artista fabricou usando impressão 3D, foi projetado para que suas partes individuais fossem arranjadas em duas fileiras sinuosas. O que estava ilustrado conceitualmente era nada menos que o fenômeno social da fuga de capital: o dinheiro escapa por uma toca de rato em reais e retorna por outra em dólares.
A atitude de Frangioni em relação a ideias intrincadas que podem ser difíceis de conceitualizar pode ser efetivamente resumida em uma frase: ele molda ideias complexas em sínteses visuais eficazmente simples. O fato de ele preferir tornar seus objetos e instalações claros e não obscuros vem a calhar ao usar tecnologias e engenharia avançadas. Veja-se seu trabalho Lemniscata (2019). Uma série de cofrinhos dispostos na parede organizados como um símbolo do infinito de larguras variadas, ela mobiliza um termo derivado da geometria algébrica para representar uma ação de troca fundamental — “o relacionamento que as pessoas têm com o dinheiro.” Nas palavras do artista: “às vezes atravessamos períodos em que temos mais dinheiro e em outros tempos, menos; mas estamos sempre em busca dele ciclicamente, repetitivamente, de geração em geração.”
Outro trabalho recente, QR Code II – MARP (2017) reprisa o mantra tácito do artista de dar acesso a conceitos ou histórias complexos, mas desta vez em códigos computacionais. Criado para o Museu de Arte de Ribeirão Preto (MARP), Frangioni fabricou esta versão 3D gigante do emblema quadrado familiar a frequentadores de shopping centers em todo o mundo usando pranchas de peroba rosa, uma madeira nativa brasileira. A inesperada revelação virtual do código é apropriadamente imanente: quando ativado, o símbolo levava os visualizadores a um website que apresentava a história do edifício do museu, assim como imagens de sua construção e detalhes arquitetônicos.
A repetição de ideias nas artes visuais — entre elas símbolos, códigos, ícones e tradições artísticas — costuma ter o objetivo de reforçar significados padrão. Nas mãos de Alexandre Frangioni, entretanto, elas costumam propor leituras que levam a visões vigorosamente originais sobre signos familiares. O que levanta a questão: como este artista consegue, consistentemente, ver o mundo com novos olhos? Eu proponho uma conclusão bem documentada: só os autodidatas são livres.
Christian Viveros-Fauné, Brooklyn, 2021